PSICOPATOLOGIA E SAÚDE DO ADOLESCENTE

Na ciência da Psicologia, identifica-se Psicopatologia como uma área que tem por objeto de estudo, os fenômenos patológicos ou distúrbios mentais e outros fenômenos anormais, empenhando-se em buscar diferenciar comportamentos normais e patológicos, dessa forma, classificando-os em sua complexidade. É necessária essa configuração a partir de classificação devido ao grau de difícil entendimento, mediante vários fatores relacionados a sociedade, cultura, religião, preferências individuais entre tantos outros fatores, que é inerente a diversidade humana.

Monteiro e Silva (2013), conceituam a Psicopatologia como um ramo da Psicologia que tem por objeto de estudo os fenômenos patológicos ou distúrbios mentais e outros fenômenos anormais, onde os mesmos relatam a necessidade de buscar-se diferenciar o que é “normal” e o que é  “patológico”. Porém, alega-se que, esta não é uma tarefa fácil pois, como já foi mencionado, há um grau altíssimo de dificuldade em sua conceituação de forma definida devido sua complexidade, o que proporcionou ao longo do tempo, muitas dúvidas e indagações a respeito do assunto.

Dessa forma, pode-se observar que a diferenciação entre o que é normal e o que é patológico, vai depender de uma multiplicidade de fatores relacionados as percepções sociais em que o indivíduo encontra-se inserido, visto que, o que em uma cultura pode ser natural, em outra pode ser considerado um comportamento indevido ou até mesmo, uma aberração a exemplo de uma cultura em que se encontra cobra, baratas ou escorpiões no cardápio, o que em certa cultura, não é aceitável de forma alguma, a não ser que o sujeito que o ofereça, segundo a visão cultural vigente, apresente algum grau de comprometimento psíquico.

Na história da humanidade, houve um grande progresso no desenvolvimento da percepção entre a saúde e a doença, a partir das questões voltadas a higiene tanto física, quanto do ambiente, descobrindo-se a influência das bactérias, parasitas e vírus e dessa forma, buscando-se a prevenção de doenças provenientes desses agentes, levando-se, inevitavelmente, as mudanças nas concepções e nas formas de julgamento relacionados também, as pessoas acometidas de algum tipo de prejuízo psíquico, já nesse caso, a percepção a ser modificada foi a religiosa, a exemplo da Antiguidade onde dizia-se, segundo Monteiro e Silva (2013, p. 6) que:

Os doentes mentais eram tidos como corpos em agonia e almas em desordem. Na Idade Média passou-se a atribuir à religião a explicação das doenças e o tratamento desses doentes. Nos períodos seguintes tentou-se entender as curas em detrimento das patologias.

Porém, no decorrer da história da humanidade, a primeira vez em que se utilizou o termo psicopatologia foi na Alemanha, em 1876, apresentando esta, o mesmo significado de psicologia clínica. No entanto, a psicopatologia só foi surgindo autonomamente no início do século XX, com Théodule Ribot, na França e mais tarde, ganhando mais força e se distinguindo em vários aspectos, a partir dos estudos realizados por Karl Jaspers, o qual instituiu finalmente o termo em 1903, na Alemanha (MONTEIRO & SILVA, 2013). Nesse mesmo período, a Psicologia surgia como ciência independente, nascida da Filosofia, que a partir do século XX, Sigmund Freud e outros estudiosos da mente e comportamento humano, começaram a classificar aspectos relevantes da psique humana, levando a Psicologia a introduzir um novo cenário na ciência no que se refere as patologias do comportamento e mental. Nesse contexto, se começou a categorizar as psicopatologias. Surgiu, então, uma classificação que divide-as em três grupos: psicoses, neuroses e psicopatias. Sendo estas entendidas como citadas por Monteiro e Silva (2013,p. 6-7):

As psicoses, como uma doença mental de certa duração em que o doente não tem consciência de sua condição e, não raro, perde o contato com a realidade. As neuroses, por sua vez, são perturbações psíquicas que, a rigor, enfraquecem a personalidade em razão dos muitos conflitos apresentados pela doença. Por fim, as psicopatias, que são tidas como alterações de comportamento decorrentes de perturbações da personalidade ou da não adaptação do indivíduo em relação à sociedade ou a si próprio.

Pode-se observar no decorrer do processo histórico e científico, que em um dado momento, surgiu a Psiquiatria para contribuir com as necessidades relacionadas a cura, prevenção, profilaxia, utilização de métodos medicinais, bioquímicos e farmacológicos, e dessa forma, a Psiquiatria amparou o nascimento da Psicopatologia que, por sua vez, pôde contribuir com a observação e a compreensão das doenças por métodos clínicos e psicoterapêuticos. Tornando assim, essa ciência nos dias atuais, com uma visão inter e multidisciplinar, pois a mesma conta com o auxílio, para sua melhor compreensão, de várias ciências, de modo a abranger uma visão biológica, psicológica e social de seu objeto de estudo (MONTEIRO & SILVA, 2013).

Nessa perspectiva, observa-se pessoas acometidas por uma diversidade de problemas psíquicos e comportamentais, no âmbito das Psicopatologias e o que chama a atenção são as questões voltadas para um tipo de problema de conduta, que apresenta-se como inerente a sua própria personalidade e que instiga a avaliar, como se dá esse processo mental, a partir dessa denominação de personalidade, principalmente nos adolescentes. Sabe-se que a adolescência também mostra-se como um período complexo, então, pode-se avaliar que, por ser a adolescência, um período do desenvolvimento humano, extremamente complexo em todos os segmentos, é também  uma fase onde maiores conflitos internos, são desencadeados, dessa forma, e, consequentemente, propiciando as dificuldades com relação a saúde desse indivíduo como um todo.

É notório que a adolescência apresenta-se como um período transitório entre a infância e a adultez, que se inicia com as transformações físicas, biológicas, hormonais e sociais, tendo, no que concerne a faixa etária, seu início em torno dos 12 anos para alguns autores ( MARTINS, 2005 & ERIKSON, 1976) e seu final em torno dos 20 anos, porém, seu final, ainda não está bem definido também, pois o mesmo depende de uma multiplicidade de fatores como a cultura, questões de cunho social, físico, entre outros.

Essas mudanças são de extrema importância na vida adulta de cada indivíduo, por isso, necessário se faz que elas sejam as mais saudáveis possíveis para que o indivíduo, quando adulto, saiba lidar com seus enfrentamentos e conflitos de forma harmônica, pacífica e sábia, evitando assim comportamentos inadequados, conflitos violentos e até mesmos doenças físicas e mentais surgidas da inadequação dessas mudanças.

Segundo Osório (1992) et al Guimarães e Pasian (2006), a adolescência é uma fase da vida caracterizada por transformações psicológicas e sociais que acompanham o processo biológico da puberdade, entendendo-se que esses fenômenos não devem ser estudados de forma isolada um do outro, isto é, de forma dissociadamente. Ao que Martins (2005, p.129), apresenta em seus estudos a seguinte afirmação com relação a fase de desenvolvimento da adolescência:

Consiste numa fase de transição, na qual ocorrem transformações de carácter físico; social (mudanças na relação com os pais, amigos, sexo oposto); e psíquico (mudanças ao nível cognitivo e no modo de se ver a si próprio). São características desta etapa da vida: a maturação dos órgãos reprodutores; alterações no corpo, que o aproximam da forma que terá na vida adulta; a emergência do pensamento formal; uma maior autonomia face aos pais, comparativamente ao que acontecia na infância; o alargamento das relações sociais com os pares; alterações no relacionamento com o sexo oposto; a construção de projectos de carreira e de valores; e, finalmente, a construção de uma identidade positiva.

Esta fase, por seu nível de complexidade nas mudanças, apresenta-se como facilitadora de problemas de todos os segmentos no adolescente e principalmente, no seguimento que concerne as suas percepções de mundo e suas interações consigo mesmo e com os outros, tornando-o vulnerável as questões de doenças sejam em seu físico, sejam em seu psíquico. Nesse contexto, tem-se as questões vinculadas aos processos saúde-doença.

Segundo Martins ( 2005) os adolescentes em seu percurso, enfrentam determinadas situações de risco a si mesmo (a sua própria saúde e vida) e risco com o outro (nas questões voltadas por exemplo, a sexualidade ou brigas pela firmação de si mesmo sobre determinadas situações). Isso acontece em detrimento de seus processos psicológicos e sociais, onde ele busca vivenciar novas experiências de vida que por muitas vezes, o faz deparar-se com situações desafiadoras, dependendo do contexto em que encontra-se inserido. Nessas situações, coloca-os em perigo iminente ao uso abusivo de drogas e outras substâncias, as relações sexuais irresponsáveis, ficando assim suscetíveis as doenças sexualmente transmissíveis- DSTs, gravidez indesejável, violência de todo tipo, assim bem como, suscetíveis a abuso por parte de terceiros. Nesse contexto, consequentemente, o adolescente, pode vir a desencadear também problemas emocionais, psicológicos, comportamentais e doenças psiquiátricas.

Com relação a essas situações de risco a saúde do adolescente, Martins (2005, p. 130) diz que:

Alguns autores (e.g., Arnett, 1992; Jessor, 1992) tentaram fornecer explicações para o facto da adolescência ser o período da vida em que os indivíduos tendem a assumir mais e maiores comportamentos de risco, em termos das consequências que podem ter para a sua saúde física e mental, e em termos das relações que estabelecem com o sistema jurídico-legal. Arnett (1992) sugere que muitas das condutas temerárias – conduzir sob o efeito do álcool, usar abusivamente drogas legais e ilegais, ter relações sexuais precocemente sem qualquer protecção, exibir actos delinquentes – que parecem ser mais comuns na adolescência, do que em quaisquer outros períodos do ciclo de vida, radicam numa necessidade exacerbada de procura de sensações fortes, associada ao que Elkind (1972) designou por egocentrismo adolescente. A necessidade de procurar emoções fortes que parece obter algum apoio no facto de várias medidas biológicas com ela relacionadas, nomeadamente certos indicadores hormonais, que atingirem o pico no período da adolescência.

Apesar dessas constatações, nem todos os adolescentes respondem da mesma forma as situações vividas, isso leva a refletir que, apesar de ser comum a idade, determinadas condutas e comportamentos, de se responder fisicamente ou as estruturas biológicas e químicas, de forma comumente semelhante, algo diferencia o modo como o adolescente enfrenta as situações e isso ocorre de uma forma peculiar, dependendo de outros fatores intrínsecos e extrínsecos como a personalidade de cada um, a existência de problemas relacionados a psique e também, relacionados ao seu meio social.

Esses fatores de risco são estudados por diversos autores, porém, são nos estudos de Jessor (1992) et al Martins (2005), que pode-se compreender como eles se apresentam a partir da adaptação de alguns conceitos importantes importados dos estudos epidemiológicos, que propõe que se encarem as condutas de risco dos adolescentes sob uma perspectiva interacionista, de natureza mais sociopsicológica, por comparação com a perspectiva, de carácter mais individualista, de Arnett (1992), a qual propõe um modelo conceptual, onde ele incorpora aspectos relativos, quer ao indivíduo, quer ao contexto social em que este se insere, e sugere que se considerem fatores de risco e fatores de proteção em ambos os aspectos (indivíduo e ambiente social), conceituando o risco como um resultado do balanço entre os vários fatores de risco e de proteção, inerentes ao indivíduo e ao contexto social em que este se insere.

Nessa perspectiva, Jessor (1992, Apud Martins, 2005, p.130)  chama a atenção para o fato do conceito de “risco” ou “estar em risco” remeter para dois significados diferentes e explica:  

Assim, para os adolescentes que já estão envolvidos em condutas de risco, usualmente os mais velhos, “estar em risco” significa aumento da probabilidade de riscos para a sua saúde e vida, e também probabilidade de comprometer o seu desenvolvimento futuro. E essas condutas de risco em que os adolescentes já estão envolvidos, podem incluir: relações sexuais precoces sem proteção, gravidez precoce, insucesso escolar, absentismo escolar, abandono escolar e vadiagem, envolvimento frequente em condutas de ”bullying” na escola, abuso do álcool e do tabaco, consumo de drogas ilegais, comportamentos delinquentes e problemas com o sistema jurídico-legal (furtos, roubos, vandalismo, ofensas corporais).

Todos esses aspectos devem ser relevantes não só para a família, como também para a escola no que concerne as questões de prevenção as situações de risco a saúde física e mental do adolescente, apresentando meios de apoiar, orientar, dialogar e fortalecer vínculos com os adolescentes de maneira a ajudá-los, a apoiá-los nessa jornada, pois esse processo necessita da contribuição dos agentes da educação que estão representados por pais e educadores.

Dessa forma, o cuidado e o olhar diferenciado de seu meio social, da própria família e também da escola, é de incontestável importância para diminuir os fatores de risco e aumentar os fatores de proteção com relação a saúde do adolescente, pois percebe-se que, esse é o período do desenvolvimento da vida do ser humano em que construtos internos são desenvolvidos no enfrentamento das situações da vida e que, mais se precisa de modelos sadios, ambientes propícios para o crescimento e desenvolvimento adequado e, quando o contrário ocorre, o indivíduo torna-se um adulto com uma diversidade de questões mal resolvidas ou com sequelas a serem tratadas.

                                                   Autora: Assirlene Xavier


ESTE SITE FOI CRIADO USANDO